O processo de produção musical tem mudado muito e de uma forma muito rápida. Às vezes, rápida demais para que a gente consiga acompanhar. Com isso, existe um monte de técnicas e procedimentos que parecem obrigatórios, mas que, na verdade, são apenas reflexos de outra época e outra tecnologia.
Até o início dos anos 1990, era praticamente impensável, por exemplo, começar uma mixagem em um dia e acabar no outro. A mixagem estava firmemente atrelada ao tempo e espaço. Mas as DAWs (Digital Audio Workstations – softwares para gravação em computador) vieram nos libertar dessa amarra. O simples ato de ir mixando aos poucos e recomeçar de onde se parou ontem – que hoje é o normal – era algo apenas sonhado em outros tempos.
Aliás, ainda estamos fortemente vinculados a um jeito escalonado de produzir música que vem do passado. Essa separação entre pré-produção, gravação, mixagem e masterização, em que cada etapa era única e precisava estar concluída para que a outra começasse, perdeu o sentido atualmente. Porém, muita gente ainda vê como natural esse modo de produzir, ainda que seja a mesma pessoa assumindo todas as etapas em um mesmo ambiente de trabalho.
Isso tem uma justificativa que faz sentido: a especialização dos profissionais que assumem cada etapa acaba sendo muito atraente. O ato de mixar envolve técnicas bem específicas. É preciso, ao mesmo tempo, solucionar problemas e acrescentar artisticamente, e quem vive essa situação todo dia acaba levando vantagem para chegar a resultados mais eficientes.
Daí o produtor de música querer contar com um profissional especializado em mixagem em seu trabalho. É aí que aparecem algumas dificuldades. Para usar um mixador, hoje o produtor tem basicamente duas opções: a presencial e a remota. Vamos explicar cada uma delas.
O jeito mais tradicional e consagrado de mixar é o presencial. Leva-se o projeto até o ambiente de trabalho do mixador, e lá produtor e artista podem acompanhar pessoalmente todo o processo, desfrutando do incomparável prazer de ouvir seu trabalho em um ambiente favorável.
Mas aí entram os problemas do mundo moderno. Mixar de modo presencial significa que o estúdio estará à disposição e que o mixador irá dedicar seu tempo exclusivamente a esse trabalho naquele período. E, hoje em dia, tempo é um dos fatores mais caros.
É claro que a sensação de estar em um estúdio presencialmente, ao lado do mixador, ouvindo nossa música tomar forma e ganhar riqueza sonora, é inigualável. É uma felicidade estar ali fazendo parte do processo.
Por outro lado, é possível que estar em um ambiente estranho comprometa nossa capacidade de decisão, principalmente se estivermos preocupados com tempo e custo.
Interagir com o som da nossa música e com o mixador diretamente pode ser muito benéfico para o trabalho quando tudo corre bem, mas pode ser trágico quando as coisas vão mal. Além disso, ambos precisam estar naquele período dedicados exclusivamente a esse trabalho, o que nesses tempos de atividades multitarefas pode ser bom ou ruim.
Então, podemos dizer que o processo de mixagem presencial tem as seguintes vantagens:
Como sempre existe o outro lado, as desvantagens podem ser:
Trabalho no modo presencial.
A mixagem remota é uma solução que pode tornar muito mais viáveis os projetos, principalmente pela redução de custos, mas há algumas coisas a se considerar. A mixagem a distância pode se processar de duas formas: off-line e online.
No modo offline, a gente manda nosso trabalho ao mixador, que mixa e nos manda o resultado. Dependendo de cada profissional, podemos comentar e pedir alterações. O mixador as executa e devolve, e o processo se repete.
Essa modalidade é certamente a mais viável economicamente, porque o mixador pode alocar seu tempo sem a obrigação de horários determinados. Do lado do cliente, porém, essa falta de poder de atuação instantânea pode significar um problema e tanto, dependendo da pessoa. Para muita gente, é como “entregar um filho pra outro cuidar”. E aí, a coisa pode ficar complicada.
No lado do mixador, ele precisa trabalhar de um modo que permita alterações com facilidade. Além disso, precisa entender que a mix não é dele, mas do cliente. Mixadores mais teimosos e agarrados às suas decisões acabam não dando muito certo nessas situações.
A questão do número de alterações pode ser problemática. Tem profissionais que permitem apenas uma revisão (o famoso “recall”) e outros (como eu, por exemplo) que deixam o cliente pedir quantas mexidas quiser, sem limite.
Isso pode levar a mixagens que não acabam nunca? Certamente. Clientes indecisos e mixadores passivos são uma combinação perigosa ou, no mínimo, morosa. Para esses casos, voltamos àquele fator que hoje em dia é o mais importante: o tempo. Esse acaba decidindo pelos clientes e gerando mixadores, digamos, mais firmes em suas opiniões.
Mixar a distância em modo exclusivamente offline pode ser bem demorado, dependendo da habilidade do mixador e da insegurança do cliente. E, nessas horas, a capacidade que o cliente tem de expressar o que sente e o mixador de entender o que significa cada pedido também acabam influindo decisivamente.
Particularmente, prefiro o cliente que diz que “está sem peso” do que o que diz “falta 2kHz”. Não que a especificidade seja ruim. O problema é que o cliente no segundo caso não está apenas falando do problema, mas já está orientando uma solução – e ele pode estar até certo no diagnóstico, mas errado no tratamento.
Quanto a julgar se a mix está boa, em um trabalho offline, o cliente tem toda a calma do mundo para ouvir várias vezes, em vários sistemas, e pedindo opinião de várias pessoas. Isso pode ser bom, e pode ser muito ruim, é claro, dependendo de cada pessoa.
Resumindo, podemos dizer que a opção pelo modo remoto offline apresenta as seguintes vantagens:
Como desvantagens:
Mixagem remota offline. Cordas gravadas na Rússia, mix no Brasil.
Quando feita exclusivamente online, essa modalidade acaba sendo apenas uma variante da modalidade presencial. A única coisa que muda é que o cliente não está lá do lado do mixador. Tanto o estúdio quanto o tempo do profissional ficam dedicados ao cliente – e, como já vimos, isso impacta decisivamente nos custos.
Embora haja benefício para a velocidade do processo, existe um problema básico e muitas vezes insolúvel. O cliente não está ouvindo no mesmo ambiente que o mixador. E o sucesso de uma mixagem reside na capacidade de ambos tomarem decisões a partir do que ouvem e como ouvem.
Primeiro, existe uma limitação técnica que precisa ser superada. Como fazer para cliente e mixador conseguirem ouvir ao mesmo tempo e com qualidade? Dos dois lados é preciso ter a capacidade de ouvir bem para decidir.
Há até pouco tempo, não havia ferramentas para isso, mas hoje já existem os Remote Collaboration Softwares, como o Sessionwire, Soundwhale e Audiomovers, voltados para oferecer essa colaboração instantânea. Cada um tem seus pontos fracos e fortes, e vale a pena testá-los.
A princípio, isso poderia ser até uma vantagem. De um lado, o mixador está em seu ambiente, ouvindo do melhor jeito possível. Enquanto isso, o cliente também continua ouvindo no mesmo ambiente em que a música foi produzida, e isso deixa a audição mais amistosa. Só que, em muitos e muitos casos, o cliente não tem uma monitoração otimizada e quando o mixador precisa corrigir excessos e faltas na música, isso pode soar mal no ambiente do cliente.
Então, acabamos entrando em uma situação na qual o cliente pode rapidamente decidir quando o volume de uma guitarra está adequado, mas ele vai ter que decidir isso baseado no que ouve em seu ambiente, e o mixador pode ter certeza de que isso não está bom. As coisas podem se complicar.
Porém, as desvantagens são:
Ou seja, na versão online, o cliente pode chegar o mais perto possível daquela situação tradicional de se sentir fazendo parte do processo de mixagem e isso, mesmo gerando um custo maior, pode fazer toda a diferença.
O processo que considero mais vantajoso é uma mixagem parcialmente offline e parcialmente online, em que se obtém o melhor dos dois mundos. Nesse caso, o que se faz é gerar uma mix offline que esteja já muito perto do resultado, em que faltem apenas pequenas correções, e aí sim usar uma sessão online para rapidamente decidir coisas em que a interação seja benéfica, como quantidade de reverb, volume final de voz e solos e coisas do gênero. Tudo o que apenas consumiria tempo já precisa estar praticamente resolvido.
Acho que essa é a forma mais moderna de usar os recursos que temos à disposição (tecnologia de internet) e os que não temos (tempo e dinheiro).
Mixagens exclusivamente offline ou online que levariam semanas ou que gastariam milhares acabam se resolvendo em menos tempo e com menos despesas.
E, mesmo nos casos em que seja necessário corrigir alguns pontos após a sessão online, isso pode certamente ser feito com procedimentos offline posteriores.
Mixagem remota no modo semipresencial.
Não podemos encerrar sem citar pelo menos um serviço que é, no mínimo, interessante para os mais curiosos. Muitas pessoas acabam optando por mixar com outros profissionais apenas porque acham que o acesso a equipamentos melhores e mais consagrados fará diferença.
Nesses casos, existem já serviços como o Mix:analog, em que você pode enviar o seu áudio para uma empresa que irá passá-lo ao vivo pelo equipamento que você escolher e devolver a versão processada.
Por exemplo, quer sua voz passada pelo compressor LA-2A “de verdade”? Contrate o serviço, envie o áudio pela internet e ele volta devidamente processado. O fato de ter uma internet e mais conversores D/A e A/D no meio do caminho parece não incomodar muito quem quer usar esse tipo de serviço.
No mínimo, isso pode resolver a expectativa de saber como um certo som resultaria ao passar por um desses clássicos do hardware.
Finalmente, podemos pensar juntos nos fatores que podem determinar nossa decisão de que caminho tomar em nosso trabalho. Antes de mais nada, para mixar bem externamente é preciso escolher um profissional em quem se confie. Essa é a parte mais importante, independente do processo.
Mas se, por um lado, a capacidade técnica dele é importante, há ainda outros fatores a considerar. A quantos recalls eu vou ter direito? O mixador consegue entender o que estou pedindo? Eu tenho confiança em minhas próprias conclusões ou prefiro confiar mais no profissional? Essas e outras questões precisam ser consideradas, e nesses casos não existem respostas certas a priori.
E o mais curioso é que esses questionamentos, muitas vezes, não são exclusivos de mixagens a distância. É por isso que, historicamente, desde os tempos da fita analógica, uma relação boa com um certo mixador acaba se tornando a base para muitos trabalhos nessa parceria.
Por mais que mixagem seja um processo técnico, independente do fato de ser presencial ou a distância, é ainda um processo artístico que envolve músicos, arranjadores, técnicos de gravação, mixadores. E todos precisam atuar da maneira mais harmoniosa possível para o sucesso do trabalho.