O passo-a-passo da produção musical a distância

Como gerar melhores resultados no trabalho conjunto entre cantores e produtores

Por: Samuel Ribeiro

Não dá para dizer que o futuro chegou; a tecnologia não para e tudo que é novidade logo tem um upgrade. O que era, já não é mais. Assim, o futuro só dura até a próxima novidade.

Em se tratando de produção musical, faz tempo que isso acontece. Me lembro de ir ao correio postar uma fita cassete para o cliente avaliar o produto final; isso, há 25 anos. Hoje, envio um Mp3 pelos aplicativos de mensagens e tenho um feedback instantâneo do cliente.

A facilidade que a tecnologia nos proporciona para fazer música, sem que a geografia nos dificulte, é algo sem precedentes.

Ter uma cantora morando em Minas Gerais e um produtor no Rio não impede que resultados excelentes sejam alcançados na produção de uma música ou de um álbum. O produtor precisa apenas da música com um acompanhamento simples para começar o processo.

Porém, para se chegar em um resultado satisfatório e que atenda o objetivo final do artista, alguns fatores básicos são essenciais. E todos passam pela necessidade de uma boa comunicação entre as partes envolvidas.

Voz guia: o início do processo

A voz guia é fundamental para o começo do serviço. Algo do tipo voz e violão ou voz e piano já ajuda, mas uma versão à capela é o ideal para dar mais flexibilidade ao produtor.

Se o artista tiver acesso a qualquer DAW disponível no mercado e conseguir gravar com um metrônomo e em um tom confortável, isso economiza um bom tempo de edição. Mas qualquer smartphone que possua algum aplicativo de gravação já resolve bem o registro da guia. Então, é só apertar o REC e botar as cordas vocais funcionando.

Se a voz guia chegar redonda, já é um ótimo passo para começamos a empreender esforço criativo na produção da canção, em vez de esforço de edição. Porém, muitas vezes, a voz guia chega bastante torta. Nesse caso, é preciso sincronizar essa voz com metrônomo, fazendo recortes, time stretch e tudo mais que for preciso para se ter uma voz guia utilizável.

O processo de colocar a voz guia nos eixos é, na maioria das vezes, desgastante para o produtor. Daí a importância de que o artista envie o melhor registro possível. Enviar a voz guia em diferentes tons também é positivo; assim, podemos avaliar e escolher qual tom se adequa melhor à voz do artista. Quando o autor da música também é o intérprete, o tom original, geralmente, é o melhor.

A voz guia é o primeiro fator essencial para o sucesso da produção. Detalhes como o tom confortável e a sincronização não podem passar despercebidos.

Exemplo de voz guia ideal gravada com Shure Beta 57

A música de referência faz toda diferença

Referência significa ter uma ou mais canções de sucesso que o artista gostaria com que sua música soasse parecida. A ideia não é usá-la para fazer uma cópia sonora e, sim, dar um rumo para a faixa que será produzida.

A referência é o ponto de partida na escolha do arranjo, dos instrumentos e timbres que irão compor o total da peça. Por isso, é importante que o artista seja assertivo na escolha da música que vai enviar para o produtor.

Por exemplo, vamos imaginar uma cantora de folk brasileiro que poderia enviar como boa referência uma canção como essa abaixo, da dupla AnaVitória:

Mas essa artista de folk poderia, facilmente, confundir o produtor enviando uma referência equivocada nesse caso, como essa faixa da cantora Pitty:

Estilo e sonoridade permitem toques personalizados

É importante que o artista comunique ao produtor os estilos e sonoridades com os quais se identifica ou tem maior afinidade: rock, worship, forró, MPB etc. São informações adicionais que serão úteis durante o processo.

A música de referência pode ser um rock, mas se o produtor sabe que o artista se identifica com hip hop, durante o processo criativo, poderá inserir algum elemento hip hop no arranjo baseado em rock.

Ed Sheeran, um artista folk que tem como base o violão, nessa canção utiliza claramente elementos do hip hop na composição e arranjo:

O elemento sonoridade é algo bem abstrato, mas vale citar se gosta de uma sonoridade mais vintage, moderna, hi fi, minimalista, eletrônica, orgânica. São informações relevantes que ajudarão o produtor a compor o quadro em que se transformará a obra.

Numa sonoridade de samba não caberiam metais synth, percussão eletrônica ou vocais super afinados na vibe soul music, porque destoariam da naturalidade de uma roda de amigos tocando e se divertindo num churrasco, por exemplo.

Agora, os arranjos podem ser facilmente editados

Captadas todas essas informações, é hora de criar o arranjo. Rearmonização, levadas, andamento, tudo isso faz parte do processo. A forma define o tamanho da faixa, algo que precisa ser bem planejado, apesar das edições serem sempre um trunfo.

Nesses novos tempos, a gente envia uma base guia para os músicos executarem suas partes em seus respectivos estúdios; afinal, agora todo mundo grava com qualidade profissional em casa. Os músicos recebem a base guia com as ideias do arranjo. Depois de ouvirem, gravam, lendo a grade cifrada e imbuídos pelas conversas prévias sobre o projeto. Depois de gravarem, enviam de volta pela rede em arquivo de alta resolução.

Para dar um exemplo, eu faço um baixo sintetizado só para guiar o baixista. Envio uma base com o baixo guia e outra sem. Ele ouve a intenção na base guia com baixo synth e, depois, grava na sessão sem o baixo. O processo se repete com os outros músicos envolvidos. Ser capaz de produzir música sem se preocupar com a distância e outras limitações é, realmente, um ambiente criativo maravilhoso.

Algumas vezes, preciso editar frases que o músico criou numa determinada parte e que eu gostaria de repetir mais à frente num trecho igual. Outras vezes, é necessário trocar uma virada que o baterista fez e não foi do agrado da cantora. Mas esses tipos de mudanças deixaram de ser muito graves; na verdade, as possibilidades de edições após a execução e registro são um fator de flexibilidade que não existia tempos atrás. Em vez de editar, quando algo saía errado ou não agradava, era preciso gravar tudo outra vez.

Voz valendo! 

Finalizada a produção do arranjo, instrumentos gravados, chega o momento mais sensível da produção: a gravação da voz. Em particular, prefiro gravar a voz somente com os instrumentos de base e acrescentar o restante do arranjo em seguida. Gosto da sensação que o artista tem quando recebe a música maior do que quando fez o registro da voz.

Mas isso não é regra. Tratando-se de uma produção a distância, o desafio é maior: como aproveitar o máximo da performance do artista não estando o produtor presente? Uma alternativa simples é a chamada de vídeo, na qual o produtor orienta sobre interpretação, afinação e outros pontos que podem fazer render na hora da gravação.

Nesse caso, o produtor acompanha a gravação por vídeo e faz ponderações entre um take e outro. É importante fazer vários takes bons para dar ao produtor opções de edição. Como o áudio nas chamadas de vídeo não é o mais fidedigno possível, o produtor só poderá avaliar de verdade em um próximo passo, em um ambiente com bons monitores, que reproduzam profissionalmente o áudio gravado, os melhores takes e os melhores momentos do cantor.

Outro fator importante é o local de gravação. Muitos cantores experientes já possuem acesso a estúdios profissionais em suas cidades ou montaram seu homestudio com tratamento acústico e equipamentos de alto padrão. Isso é comum e, sendo assim, não tem erro; vai ficar bem gravado.

No entanto, outros ainda estão no começo desse processo de gravação e não têm acesso aos estúdios nem homestudio montado. Mas isso não impede que ótimos resultados também sejam obtidos. Mesmo num ambiente não tratado acusticamente, existem soluções caseiras que ajudam a melhorar o problema da reverberação.

Nessas situações, um microfone dinâmico como os clássicos Shure SM58 ou SM57, que custam uma fração de um de condensador AKG 414, vão funcionar muito melhor que este, simplesmente pelo fato de captarem menos ambiência.

Se os velhos de guerra da Shure foram capazes de fazer um bom trabalho para artistas como Bono Vox, Kleber Lucas e Emílio Santiago, provavelmente podem atender a qualquer um de nós.

Nessa canção clássica do U2, do álbum Achtung Baby de 1992, a voz foi gravada com um Shure SM58. Será que deu conta?

Felizmente, vivemos numa era em que os recursos para se produzir música são ilimitados e acessíveis. A criatividade dentro de cada um é uma fonte que nunca seca. Mas pode virar água parada, sem produzir vida. Então, para destravar o rio e deixá-lo seguir seu fluxo natural, alegrando e encantando o mundo com o seu talento, é só usar os recursos que estão na palma de sua mão.

Existe um universo de músicos e produtores experientes esperando apenas uma mensagem para começar a lapidar o próximo diamante.

Samuel Ribeiro

Samuel Ribeiro é produtor musical, arranjador e guitarrista, atuando principalmente no cenário gospel desde 1985.