Upgrade insano! Como transformar uma guitarra de baixo custo em uma máquina extraordinária

Você sonha em ter o timbre de uma Gibson genuína? A gente te mostra como modificar uma guitarra barata para chegar lá!

Dizem que a insanidade caminha ao lado da genialidade. Atitudes insanas muitas vezes vêm de corações apaixonados que não medem esforços para subir qualquer montanha em busca do fruto desejado.
A guitarra elétrica se transformou em um dos frutos mais desejados que os amantes das seis cordas poderiam almejar. Nomes como Fender, Gibson, PRS e Music Man certamente perturbaram o sono de muitos de nós que, na esteira da realidade, só poderíamos sonhar com essas preciosidades.

No entanto, já vimos gente como Van Halen construir sua Frankenstein a partir do desejo de ter uma máquina personalizada que fosse o reflexo de sua música, sua loucura e sua genialidade.

As melhores soluções surgem a partir de grandes crises. E qual crise poderia ser maior para um amante da guitarra do que não ter o timbre tão sonhado na palma da mão?

Se, por um lado, ter um instrumento personalizado e único já havia recebido a benção de artistas como Van Halen, por outro, transformar um aparelho barato num equivalente de alto custo começou a ser uma ótima opção para quem não tem bala na agulha para comprar uma Gibson ou Fender americanas.

É com esse mapa que vamos nos aventurar, criando máquinas extraordinárias a partir de ferramentas ordinárias. Mas quando você decide fazer o upgrade de uma guitarra, alguns pontos precisam ficar claros e resolvidos. Por isso, viemos dar dicas das melhores práticas e, ao final desse artigo, listar os 10 mandamentos do Upgrade Insano!

Opte por uma guitarra barata

Por isso, vamos nos concentrar em transformar guitarras baratas em preciosidades. Isso não significa que serão transformadas em algo caro. A ideia é fazer um investimento para toda a vida em um instrumento que seja único e com características só suas. É te dar uma ferramenta que seja capaz de expressar sua música com todo seu potencial e do seu jeito – apenas você será capaz de mensurar o valor emocional e técnico depositado no processo.

Mas vale lembrar que, se for para vender o instrumento no futuro, possivelmente ninguém vai querer pagar o valor investido. Você pode perder dinheiro na venda e ainda ficar com o coração despedaçado!

Não é proibido fazer um upgrade num instrumento caro, muita gente fez e ainda faz. Mas uma Fender ou uma Gibson totalmente originais são tradicionalmente mais valorizadas que as modificadas.

Não faz muito sentido gastar uma boa grana na compra de um instrumento caro e gastar mais grana nas modificações, sendo que no fim das contas o instrumento vai perder valor. A menos, é claro, que você se torne o próximo David Gilmour, cuja Blackstrat modificada foi leiloada por mais de 4 milhões de dólares.

A transformação radical de uma Ibanez chinesa

Agora, a caminho da oficina! Vamos te contar nossa experiência com um upgrade insano. O primeiro instrumento que caiu na nossa roda da insanidade foi uma Ibanez N425.

A Ibanez possui tradição de produzir instrumentos honestos em sua fábrica da China e com essa guitarra não foi diferente. Com a informação que conseguimos online, concluímos que a guitarra era feita de mogno asiático que possui características sonoras muito semelhantes ao mogno utilizado pela Gibson e PRS americanas.

A guitarra usada custou cerca de mil reais e o desafio era transformá-la em termos de performance, timbre e confiabilidade no equivalente a um instrumento que custasse dez vezes mais.

Além da madeira tradicional, a N425 veio com alguns detalhes visuais interessantes como friso lateral, marcação do braço em diamantes e uma estrela dos ventos na casa 12, logo em madre pérola no headstock e tampo em quilted maple. Lembrava um pouco a PRS do Santana, um belo instrumento! Decidimos trocar tudo que não fosse a espinha dorsal feita de madeiras sólidas e confiáveis.

O dono do instrumento, o guitarrista e produtor brasiliense Welington Souza, o utiliza constantemente ao vivo. Por isso, além dos pickups, principal responsável pelo timbre, precisávamos cuidar também da estabilidade da afinação e da confiabilidade do sistema elétrico.

Pickups

Os pickups originais feitos com ímãs de cerâmica com saídas (8k, 15k) têm um timbre utilizável, mas não estão no padrão dos humbuckers das grandes marcas. Encontramos no mercado de usados um par de pickups da Gibson: Classic 57(7.5k) para o braço e 490T(8.1k) para a ponte, por 1.200 reais.

O par de usados saiu muito mais em conta que um novo. Comprar pickups usados oferece um risco, mas em nossa experiência, nunca tivemos problemas. Gibson, Seymour Duncan, Dimarzio e Fender sempre serão escolhas certeiras e é possível encontrar ótimas ofertas no mercado de usados. A tradição mostra que diversos profissionais já usaram o JB da Seymour Duncan e os PAFs da Gibson em milhares de gravações. Então, dá para confiar.

Antes

Depois

Tarraxas

As tarraxas originais pareciam confiáveis, mas a gente queria levar a estabilidade da afinação para o nível máximo. Por isso, escolhemos as tarraxas com trava da Gotoh (480 reais), que tem tradição na confecção de hardware alto padrão. As tarraxas e os pickups foram as peças mais caras do upgrade, mas também são responsáveis pelas melhorias essenciais e mais dramáticas.

Antes

Depois

Elétrica

A parte elétrica envolve, numa ponta, o fator segurança. É preciso confiar que a guitarra não vai ficar muda no meio de uma apresentação no Rock in Rio para milhares de pessoas. Por isso, decidimos seguir o padrão Gibson com os potenciômetros CTS, chave seletora Dimarzio, jack de saída Gotoh e capacitor a óleo russo – pio 022. Na outra ponta, peças de qualidade no padrão “made in USA”, segundo o site da TV Jones, representam uma melhora total de pelo menos 5% no timbre da guitarra. Certamente, a elétrica também precisa entrar na faca.

Antes

Depois

Luthieria

Não adiantaria nada usar as mesmas peças de uma Gibson ou PRS se a conexão entre elas não fosse também confiável. Por isso, para o serviço de luthieria, contamos com a colaboração do Rodrigo de Freitas, que tem estrada de sobra para fazer o trabalho com maestria. Já confeccionou instrumentos e deu manutenção para grandes mestres, como Nelson Farias, Roberto Menescal e Felipe Andreoli. Soldas limpas e profissionais é algo que ele faz sorrindo e com o pé nas costas.

Antes

Depois

Além de toda a troca do hardware, o luthier julgou necessário fazer a retífica dos trastes que estavam gastos, para ter regulagem e afinação confiáveis. Rodrigo também confeccionou à mão o nut de osso que substituiu o sintético original da guitarra. Segundo os especialistas, isso aumenta o sustain e traz mais brilho. São detalhes pequenos, mas que acrescentam grandes aprimoramentos ao resultado.

Antes

Depois

Fechando o pacote, o dono da guitarra pediu para instalar uma correia strap-lock da Dimarzio. Por ser uma guitarra usada extensivamente ao vivo, essas correias inquebráveis oferecem a segurança necessária.

Gastos

Barato não ficou. Usamos o que há de melhor em termos de peças e mão-de-obra. O fato de ser uma guitarra com madeiras tradicionais e bem construída nos motivou a seguir com os aperfeiçoamentos. O ponto positivo é que se pode ir comprando as peças aos poucos até conseguir fechar o pacote do upgrade e evitar que falte dinheiro para o leite das crianças.
Confira o total dos gastos na tabela abaixo. Também informamos o nome das lojas onde achamos os melhores preços e recebemos um atendimento honesto.

Resultados do upgrade

Parece insano gastar em upgrades três vezes o valor original da guitarra. Mas, se considerar que isso vai fazer a guitarra soar e ter a confiabilidade de uma guitarra que custa 10 vezes mais, talvez não seja tanta loucura assim.

No vídeo abaixo, podemos comparar os impactos que os upgrades surtiram principalmente sobre o timbre da guitarra. Os pickups originais tinham um timbre duro e meio ardido com ataque mais na cara. Os PAFs da Gibson trouxeram os graves e médios característicos da marca, além de agudos suaves e macios.

O Classic 57 no braço com seu timbre cremoso e aveludado mostrou-se versátil para atender bem do pop rock ao jazz. O 490T na ponte é uma versão um pouco mais nervosa do Classic 57 com médios um pouco mais acentuados; soa bem limpo e melhor ainda com drive e parece perfeito para solos na vibe do Slash.

Além de todo o refinamento sonoro, a escolha do Gibson 490T na ponte aumentou a flexibilidade da guitarra. Esse pickup equipado com 4 fios aliado ao potenciômetro CTS push-pull possibilitou fazer umas viagens também no universo dos single coils, usando apenas um bobina. Utilizado sozinho ou em conjunto com o pickup do braço, é um timbre que persegue o estalado e agudo da Fender, mas com uma personalidade própria.

Algo que saltou aos ouvidos de cara foi o aumento monstruoso do sustain da guitarra. Já se esperava isso com os novos pickups, mas os detalhes como nut de osso, trastes alinhados e elétrica afiada podem ter sido substanciais para superar o esperado.

As guitarras antes e depois do upgrade foram gravadas com a mesma configuração de setup. Gravamos nos dois canais de uma UAD Apollo Twin. Um canal veio de um Vox ac30 microfonado com um SM57, mixado com outro canal gravado em linha passando por um preamp ethos Overdrive, o que trouxe um timbre mais fenderizado. Usamos ainda o delay de fita Roland RE-201 e compressor teletronix, ambos plugins da UAD.

Comparando o timbre

De repente, veio uma vontade de comparar a nossa Ibanez com uma Gibson genuína. Nosso amigo guitarrista e produtor Samuel Ribeiro topou gravar sua Gibson Les Paul direto em linha.

Aqui, fizemos o mesmo com a Ibanez. A Les Paul veio com pickups burstbuckers que são os pickups modernos da Gibson com construção (non wax potted) e sonoridade vintage, o que significa mais agudos.

Os nossos Classic 57 e 490T por serem “wax potted”, além de evitar problemas de feedback quando usados com high gain, e por terem saída maior, possuem mais médio graves e menos agudos. Todos possuem sonoridade deliciosa e vai depender da finalidade ou do gosto de cada um.

Os burst da Les Paul vão bem em qualquer cardápio blues/rock e possuem um timbre super esponjoso e macio, características que não faltaram nos novos pickups instalados na ibanez. Além disso, os 57 e 490T mostraram-se super versáteis atendendo bem do jazz ao hard rock e quando se precisar de mais agudos é só splitar o pickup da ponte.

A verdade é que a Les Paul e a nossa Ibanez ficaram alinhadas na mesma constelação. Porém, enquanto a primeira mostra um pouco mais de brilho, a última mostra um pouco mais de força ou os dois juntos, se necessário. Confira nos áudios abaixo.

* 0:01 – neck pickup // 0:35 – both pickups // 1:13 – bridge pickup * Guitarras gravadas em linha, processadas com UAD Fender Deluxe amplifier , Teletronix compressor e Ocean Way Reverb

Renato Coelho

Renato Coelho, compositor, cantor e guitarrista